O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode estar preparando uma nova ofensiva contra aliados internacionais, utilizando o imenso poder financeiro de seu país como instrumento de coerção geopolítica. Após a recente imposição de uma nova leva de tarifas, a expectativa entre economistas, autoridades financeiras e dirigentes empresariais é de que a Casa Branca explore meios mais agressivos para forçar concessões comerciais, ampliando o escopo do conflito para além das barreiras alfandegárias.
A matéria assinada por John O’Donnell destaca que os Estados Unidos, como epicentro do sistema financeiro global e emissor da moeda de reserva internacional, detêm alavancas poderosas. Essas ferramentas incluem o acesso a dólares por meio de bancos centrais estrangeiros, o domínio sobre sistemas de pagamento internacionais e o controle sobre gigantes do setor como Visa e Mastercard. Tais instrumentos, embora eficazes, carregam um alto custo potencial para os próprios Estados Unidos e podem gerar forte reação internacional, especialmente da Europa.
Planos para enfraquecer o dólar
Um dos caminhos cogitados pela administração Trump seria um acordo internacional para desvalorizar o dólar — apelidado de “acordo de Mar-a-Lago”, em referência ao resort do presidente e ao histórico Acordo da Praça (Plaza Accord) de 1985, que visava conter o fortalecimento da moeda americana. A proposta, segundo documento de Stephen Miran, nomeado por Trump para presidir o Conselho de Assessores Econômicos, incluiria o uso de tarifas como ameaça e o oferecimento de garantias de segurança militar para forçar bancos centrais estrangeiros a valorizar suas moedas.
Contudo, especialistas se mostram céticos. Maurice Obstfeld, pesquisador sênior do Peterson Institute for International Economics, afirmou que um acordo nesse sentido é “muito improvável”. Segundo ele, “os bancos centrais da zona do euro, Japão e Reino Unido não aceitariam medidas que os obrigassem a subir juros e arriscar recessões”.
Freya Beamish, economista-chefe da TS Lombard, acrescentou que um yuan mais forte contraria os esforços da China para reanimar sua economia, enquanto o Japão, ainda traumatizado por décadas de deflação, também não veria com bons olhos a valorização do iene.
Ameaças sobre linhas de swap e dólar como arma
Na ausência de um pacto multilateral, o governo Trump poderia explorar medidas ainda mais radicais. Uma das possibilidades seria restringir o acesso às chamadas linhas de swap do Federal Reserve — um mecanismo que permite a bancos centrais estrangeiros obterem dólares em troca de colaterais em suas próprias moedas. Tais linhas são vitais durante crises financeiras, quando os mercados se retraem e investidores correm para o refúgio do dólar.
Embora essas operações estejam sob controle exclusivo do Fed — órgão tradicionalmente independente — a recente troca de cadeiras promovida por Trump em agências reguladoras preocupa analistas. “Já não é inconcebível que, em uma negociação maior, isso seja usado como uma ameaça nuclear”, avaliou Spyros Andreopoulos, fundador da consultoria Thin Ice Macroeconomics. Ele alerta que tal atitude poderia, a médio prazo, corroer a credibilidade do dólar como moeda confiável no comércio internacional.
Cartões de crédito como instrumento de pressão
Outro trunfo sob o radar da administração americana são as gigantes do setor de pagamentos, como Visa e Mastercard. Juntas, essas empresas processam dois terços dos pagamentos com cartão realizados na zona do euro, além de dominarem aplicações de pagamento por celular, como Apple Pay e Google Pay.
A economista-chefe para a Europa da Conference Board, Maria Demertzis, foi direta: “O fato de os EUA terem se tornado hostis é um grande revés”. O Banco Central Europeu, por sua vez, já alertou para os riscos de “pressão e coerção econômica” vindos dos Estados Unidos e considera a criação de um euro digital como solução — ainda que os planos estejam emperrados.
A experiência da Rússia serve de precedente. Após a invasão à Ucrânia, Visa e Mastercard suspenderam operações no país, isolando milhões de usuários. Medida semelhante aplicada à Europa causaria sérias disrupções no consumo e na liquidez do sistema.
Temores e dilemas europeus
Apesar de cogitarem respostas à altura, autoridades europeias mostram-se receosas de iniciar uma escalada de retaliações que possa desorganizar ainda mais o frágil equilíbrio econômico global. A força de Wall Street e a dependência de bancos europeus de transações nos Estados Unidos são fatores que moderam qualquer ímpeto mais contundente.
Mesmo assim, executivos bancários ouvidos pela Reuters confessaram crescente apreensão quanto à possibilidade de represálias e impactos negativos sobre suas operações em um futuro próximo. Diante de um cenário onde o dólar pode ser transformado em arma geopolítica, o mundo se vê diante do risco de uma nova guerra fria — agora travada nas engrenagens do sistema financeiro global.
Fonte: Brasil247